quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Coisas alheias*


"Essa coisa de não ter tempo pra nada não começou ontem. Em 1917, eu estava imerso numa porção de projetos, atrasado com uma série de entregas e com enorme dificuldade em criar uma obra para inscrever no Salão da Sociedade Nova-iorquina de Artistas Independentes. Numa ida ao toalete, naquele momento de relaxamento proporcionado pelo esvaziamento do reservatório, tive a ideia que acabou por influenciar toda a arte contemporânea. O que eu procurava estava ali, bem embaixo de minhas cabeças. Esperei o último pingo cair e fui correndo até uma loja de material de construção. Comprei um urinol branco e esmaltado, bem ordinário e barato, mesmo assim pedi CPF na nota. Saí de lá e fui ao meu estúdio. Peguei a peça e a assinei no canto inferior com o pseudônimo de “R.Mutt” (você sabe, a cara de pau tem limites). Depois, nominei a obra como A Fonte e a enviei para a apreciação do corpo de jurados. A partir de então, litros de chá verde passaram a fazer parte do meu processo criativo.

Estava assim criado o conceito de ready made (posteriormente utilizado em sopas, pizzas e novelas das 8), que nada mais é do que o transporte de um elemento da vida cotidiana, a princípio não reconhecido como artístico, para o campo das artes. O ready made, também conhecido como “isso até meu filho de 3 anos faria” ou Arte Conceitual, se caracteriza por considerar a ideia como a parte mais importante da obra. Ficando a manufatura do objeto de arte, sua execução relegada a um segundo plano. Essa nova visão acabou por abalar as estruturas da arte e estendeu sua influência a outros campos da expressão humana, como o futebol. O Grêmio Prudente, por exemplo, pratica o futebol conceitual. Eles têm a idéia de jogar bem. A execução que não é das melhores. Atualmente, os grandes expoentes dessa vertente iniciada por mim são a Yoko Ono, cuja principal obra foi ter acabado com os Beatles, e o instalador da tevê a cabo que teve aqui em casa ontem e fez uma bagunça (instalação) muito bonita.

O júri do Salão da Sociedade Nova-iorquina de Artistas Independentes não aceitou meu urinol. Porém, os críticos da época entenderam que A Fonte era em si um ato iconoclasta de grande proporção. Alguns até se arriscaram a dizer que viam nas formas do urinol uma semelhança com as curvas femininas e elucubraram explicações psicanalíticas, envolvendo o membro masculino lançando urina sobre uma mulher. Eu, hein? De modo que, quando você for visitar a Bienal, não fique intimidado quando não entender a intenção dos artistas. Se você se sentir desconfortável com algumas provocações, vá até o banheiro e tenha suas próprias ideias. Mas não faça como alguns, dê a descarga.

Bom, espero que você tenha gostado desse post sobre um pequeno fragmento da história da arte. Despeço-me praticando o ready made, agora na forma de frase: o impossível só existe na cabeça dos acomodados. Beijo no coração." [Blog do Duchamp - o Ready Made não nasceu feito].

*Este, e muitos outros depoimentos de celebridades que já partiram para o andar de cima, você encontra aqui http://www.blogsdoalem.com.br/

0 comentários:

Postar um comentário

Deixe de frescura e comente!

 

Coisas de Madame... Copyright © 2009 Cosmetic Girl Designed by Ipietoon | In Collaboration with FIFA
Girl Illustration Copyrighted to Dapino Colada