domingo, 31 de janeiro de 2010

Sem palavras para definir (II) ou A Revelação.


Ele chegou numa noite fria e de grande nevasca. E me me encontrou encolhida já quase sem forças para lutar contra as intempéries do tempo e da vida. Eu em meio àquele imenso nevoeiro não conseguia enxergar muito bem as coisas. E fiquei com medo. Medo de que tudo não passasse de uma bela e tão ligeira miragem. E então ele me disse que há muito havia escutado o meu pedido de socorro. E perguntei por que havia demorado tanto. E ele respondeu que as coisas acontecem no seu exato momento. Me falou que havia tentado mandar uma mensagem para me alertar, mas que por alguma interferência na Força, ela não pode chegar até mim. E então ele entendeu que deveria esperar o tempo certo. E assim o fez. Então perguntei a ele qual era a sua missão. E ele me respondeu que era me guiar para o caminho da esperança, por que seu mestre havia percebido que naquele momento eu poderia ser um alvo muito fácil para as Forças Sombrias. Que eu poderia por desespero me entregar. Eu então o abracei e pedi para que ele nunca mais saísse de perto de mim, ou ao menos, até eu aprender a andar totalmente sozinha. E ele disse que assim seria porque esta era a sua missão, mas somente com o tempo eu entenderia a grande mensagem enviada por seu Grande Mestre. O tempo se abriu permitindo que o sol brilhasse e irradiasse sobre mim os seus raios. Comecei a vislumbrar caminhos os quais antes eu nunca conseguiria enxergar. Era um novo tempo. Um tempo para eu plantar novas sementes, regá-las e esperar os frutos que elas poderiam oferecer. E assim o tempo passou. E na noite em que eu comemorava uma fértil colheita, fui surpeendida por uma visita silenciosa e amável que me peguntava:

- Você consegue perceber minha criança?

Tomada pela súbita emoção, eu não sabia nem ao certo o que responder. Mas me sentia extremamente honrada com aquela ilustre visita.

- Eu nunca lhe abandonei minha doce criança. Porque eu sempre confiei em você.

Então eu lhe perguntei por que os meus caminhos haviam sido sempre tão cheios de espinhos? Por que Ele havia permitido que eu me machucasse tanto? O porquê de tantas dores, tantos mal-entendidos?

Tranquilamente ele se pôs a me responder:

- Não pense se tratar de um prazer sádico de ver tantas e tantas almas atormendas e nada fazer por elas. Você pode achar que o mundo é imperfeito ou defeituoso, mas ele não é. Só está desequilibrado. Extremamente desequilibrado. E tudo isso é culpa de um outro Grande Espirito que assim como eu, anda solto pelo mundo espalhando suas travessuras. Ele faz isso para me atacar. Principalmente quando ele encontra algum espirito elevado. Então ele empenha todas as suas forças para enfraquecê-lo. Teme pelo aumento de meu exército. E por isso o mundo mostra-se desse jeito que você vê. Porque vagamos eternamente tentando desfazer as obras um do outro. Você deve estar se perguntando por que eu não o extermino de uma vez não é mesmo?
Mas acontece que assim como eu, ele também é um grande e poderoso mestre. Nasceu do mesmo ventre que eu. Sim, somos irmãos. Somos filhos da mesma Grande Mãe. E aliás, não se esqueça que somos espiritos, e como se sabe espiritos não morrem, apenas podem ser enfraquecidos.
É por isso que lhe enviei os anjos. Para que eles não permitissem que seu espírito enfraquecesse. Para que você não perdesse sua esperança que estava por um fio. O primeiro, ainda era um aprendiz, porém muito promissor. Será no futuro um grande arcanjo. Mas ainda precisa terminar seu treinamento. Este que agora lhe acompanha já é um anjo ordenado. E estará com você até quando terminar sua missão. Devo lhe dizer que estes não foram na verdade os primeiros. Eu já enviei outros que tão logo cumpriram sua missão, partiram. Podes entender agora?


Eu continuava atônita, mas agora compreendia muitas coisas. E Ele continuava, enquanto me presenteava com uma bela coroa de quartzo enfeitada com pétalas de rosas:

- Percebes que te fiz princesa entre plebeus? Fiz isso para testar tua força, tua nobreza. Fico feliz por teres aprendido muito. Aprendido a perdoar, a se arrepender e a não perder a esperança. Pode parecer "clichè", mas a paciência é uma das maiores virtudes do homem. Por isso, seja paciente sempre que alguma tempestade se aproximar. Feche os olhos e pense nas flores que nascem dos solos áridos ou dos pântanos putrefados; pense nas crianças prodígios que vencem a adversidade por meio de um grande talento; escute Vivaldi e Mozart; cante o amor através das canções açucaradas que você tanto gosta; aprecie o crescimento da pequena flor do seu jardim a qual você tem que regar dia após dia até se tornar uma bela roseira; Ajude aqueles que você puder ajudar, mesmo que seja com muito pouco. Isso é a vida. Ela é grande mestra. Por isso, entenda que a verdadeira sabedoria não se encontra nos tantos livros que você lê. Ela está contida neste grande livro feito deste fino e delicado papel e no qual você escreve todos os dias com letras invisíveis. Você entende?
E foi então que Ele se despediu, deixando um rastro luminoso de estrelas cintilantes sobre aquele que seria o meu reino. E então eu perguntei se algum dia eu o "veria" outra vez. E Ele respondeu que era muito provável que não. Se eu entedesse de verdade a sua mensagem, não haveria mais nenhuma necessidade. E partiu na sua eterna peregrinação, iluminando caminhos, levando esperança a corações tão necessitados e famintos.

E diante de tanta honra, tanta graça eu me curvava agradecida diante do grande espetáculo que é a vida.

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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sem palavras para definir


Hoje eu ia escrever um elogio à amizade. Mas algo inesperado aconteceu e acabou deixando os meus olhos encandeados. Sabe quando acontece algo que te deixa pululando por entre um turbilhão de ideias e no final acabamos não chegando à conclusão alguma? Pois é. Mas não era sobre essa história que ia falar. Até porque não tenho muito o que falar. Bom, deixemos para depois e voltemos à história do inicio.

Ontem eu lembrei de um dia de desespero. Eu lembrei de um dia em que eu pensei em chutar o pau-da-barraca, levantar a bandeira branca e dizer: eu desisto! Estava puta-da-vida com a vida. E eu fiquei pensando nessa estranha capacidade das coisas quando estão péssimas ficarem ainda piores. Eu queria bater em alguém, não sei em quem, mas talvez em Deus. E jogar na cara dele que esse mundo que ele construiu era uma grande porcaria. Você já viu um edificio ou um condominio ser construido em uma semana? Pois é, agora imagine construir o mundo. Só podia dar nesta coisa mal feita que a gente vê desmoronar pouco a pouco a cada dia. Até desabar de vez. E ai, todo mundo vai ficar olhando pro lado tentando achar um besta em quem jogar a culpa. Ora, o que você estava fazendo que não percebia as rachaduras do concreto? E você? E você aí? E você que está ai se escondendo? Estavam ocupados não é? É eu sei, eu também estava ocupada. Mas eu ouvia sempre alguns ruídos e sentia algumas gotas pingarem no meu rosto. Mas eu não entendo nada de engenharia, nem de arquitetura, nem de porra nenhuma. Eu não poderia fazer nada sozinha. Eu precisaria da ajuda de todos. Todos precisaríamos nos ajudar.

Um dia fui fazer uma reclamação. Aí alguns se viraram e disseram para eu parar com meus chiliques por que o mundo não feito num dia só. Então era pra eu ter calma, pra eu não me afobar. E parar de ficar reparando só nos buracos e falhas que ficassem insistindo em aparecer. Que era para eu agradecer pela casa que tinha e pela grande honra de ser uma de suas inquilinas.

Então eu deixei. E fui reparar em outras coisas. Fui reparar nos jardins, nos monumentos históricos, na boa literatura, nas risadas entre bares e amigos e tudo o mais o que pudésse me despertar interesse. Ai eu não reparei mais nas crianças esfomeadas, nas inocentes vítimas de catátrofes naturais e humanas, na pedofilia...não eu não reparei mais em nada.

Até que um dia a casa caiu. A minha casa. Tá, tudo bem, a de outros vizinhos também haviam caído. Mas eu tinha que primeiro juntar os meus cacos né? Curar minhas feridas, ver o que ainda podia ser aproveitado...depois eu ajudaria. Juro que ajudaria.

Mas não, ninguém tem paciência e na primeira oportunidade querem logo puxar o teu tapete. Pois é, eu fiz uns curativos provisórios e voltei para ajudar. Não aceitaram. E ainda tiveram o disparate de dizer que eu tinha feito só o projeto, mas não tinha construído nada. Mas ficaram com meu projeto. Canalhas. E eu sai estupefada, com as feridas mais abertas do que já estavam.

Mas um anjo apareceu. E me conduziu novamente para o caminho da esperança. Disse para eu não entregar os pontos já que eu tinha lutado tanto pra chegar até ali. E disse que eu parecia uma menina emburrada. Nunca havia me visto daquela maneira. Era a garota dos sorrisos fáceis e sempre com uma tirada na ponta da língua. Então ele se pôs a me contar um pouco da sua história. Nela havia alguns dramas familiares. Não chegavam a serem tragédias monumentias, mas de maneira alguma deveriam ser desmerecidas. E nós ficamos por horas sentados num banco de praça. Tomando sol na cara e dizendo pra fome esperar. Algumas horas depois já estavamos rindo de nossas quedas. E engendrando filosofias de praça. Histórias que se cruzavam. Por algum motivo, se cruzavam. As horas passaram, os personagens haviam mudado e nós ainda estávamos ali na tentativa de encontrar soluções úteis para uma vida fútil. Ai resolvemos sair para procurar alguma coisa útil para comer. E pelo caminho não páravamos de falar e falar. Ao chegar ao centro de (f)utilidades públicas, sentamos. Escolhemos e continuamos falando e falando. Perdemos, aliás ganhamos, mais algumas horas falando de cinema e de como Closer é fantástico. Fantástico por ser simples, banal. Ai então ele me falou de seus sonhos também fantásticos. E eu falava dos meus gostos trashs. Nem lembrávamos mais da raiva insistente que queria dominar minha alma. Mas era chegada a hora da partida. Ele tomou seu rumo eu o meu. Mas foi então que eu tomei a decisão de voltar e mostrar minha capacidade àqueles canalhas sem criatividade. E só no final, com o sentimento de dever cumprido, cheguei e disse: agora sim, vou embora! E fui...


Algum tempo depois outro anjo apareceu. Mas esta já é outra história...


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Sobre mulheres*





Sou daquelas que comunga da idéia de que existem mulheres e mulheres. Sim, mulheres de todos os tipos e gostos. Há as histéricas, mas também as pacientes; há as batalhadoras, mas também as parasitas; há as frescas, mas há as supimpas; há as chatas, e em contrapartida, as sensacionais.

Mulheres existem de tudo quanto é jeito. Possuidoras de virtudes e defeitos. As vezes mais vitudes, por vezes mais defeitos. Defendo que toda mulher tem seus dilemas, não importando sua cor, credo ou condição financeira. Por isso não existiriam mulheres imperfeitas, mas sim Hiper-feitas. A maioria das mulheres estam em busca do seu lugar ao sol. Por isso, não seriam superiores ou inferiores aos homens, mas sim diferentes. Mas há um tipo de mulher que infelizmente não há santo que aguente: a mulher xarope.

A mulher xarope é aquela que não ajuda ninguém a chegar a lugar algum; é aquela mulher que empurra todo mundo pra baixo; é aquela que põe minhoca na cabeça do homem sobre os seus colegas; é aquela que tem acessos de carência bem na hora que ele tem que entrar numa reunião; é aquela que não avaliza nenhuma proposta de mudança e quer manter tudo como sempre está.

A mulher xarope é aquela que fica telefonando pro escritório toda hora; é aquela que não tem vida própria; é aquela que perturba por qualquer besteira, por mais miúda que for; é aquela que morre de ciúmes de qualquer pessoa que ela julgue lhe causar alguma ameaça; é aquela que não admite ser contrariada; é aquela que quer que todos a bajulem e digam amém às sandices que proclama.

A mulher xarope é aquela que não sabe dar conselhos, apenas palpites; é aquela que debocha dos defeitos de todo mundo; é aquela que acha que todo mundo é babaca e incapaz; é aquela que a todo momento está à espera da queda do outro para debochar em cima dele; é aquela que de tudo e todos reclama.

A mulher xarope é, no popular, um verdadeiro pé-no-saco.


*Texto escrito originalmente em 25/05/2009.


PS: Eu ainda continuo pensando da mesma forma.

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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sobre rosas, formigas e tamanduás*


O seu nome era Brasilino Jardim. Brasilino Jardim tinha jardim no nome e jardim no coração. Ele amava todas as coisas vivas, de plantas a urubus. A vida, para ele, era sagrada.Brasilino Jardim não ia à igreja. As pessoas religiosas temiam por sua alma e se perguntavam: “Ele não sabe que é preciso ir à igreja para estar bem com Deus? Quem não está bem com Deus corre perigo! Deus castiga!”Brasilino sorria um sorriso manso e perguntava: “Onde está dito, nas Sagradas Escrituras, que Deus fez uma igreja? Todo Poderoso, se quisesse igrejas teria feito igrejas. Todo Poderoso, ele fez o que queria. E o que é que ele fez? Plantou um jardim. E está dito que ele ‘andava pelo jardim ao vento fresco da tarde!’ Quando estou no jardim sei que estou andando no lugar que Deus ama. Deus ama a vida, o vento, o sol, a terra, a água – coisas que estão no jardim. Mas as igrejas são lugares fechados, abafados. Bichos e plantas não se sentem felizes lá dentro...”Não frequentava igrejas mas amava um santo: São Francisco. Porque São Francisco foi o homem que via Deus nas coisas da natureza. São Francisco amava tudo o que vivia e, segundo a lenda, as coisas que viviam o entendiam, tanto que ele pregava sermões aos peixes e aos pássaros. Frequentemente os animais ouvem melhor que os seres humanos...Foi então que o Brasilino Jardim resolveu plantar um jardim em homenagem a São Francisco. Teria de ser um lindo jardim, com um canteiro de rosas no meio. E assim foi. Vendo as folhas viçosas das roseiras, a primeira rosa que se abrira e os botões que se abririam no dia seguinte, Brasilino foi dormir contente.Ao acordar pensou logo no jardim. Queria ver se os botões já estavam abertos. Mas, decepção! O que ele encontrou foi devastação. Durante a noite as formigas saúvas haviam cortado todas as folhas e todas as flores das roseiras. Brasilino ficou muito triste. Resolveu aconselhar-se com um vizinho que tinha um lindo canteiro de rosas floridas.“O jeito é matar as formigas”, disse o vizinho. “Formigas e jardins não combinam. Para as formigas jardins são hortas, coisas para serem comidas.”“Matar as formigas? De jeito nenhum. São criaturas de Deus, como todos nós. Se foi Deus quem as fez, elas têm o direito de viver. Formigas têm direitos...” E com essas palavras deixou o vizinho falando sozinho. “Onde já se viu matar as formigas? São criaturas de Deus. Tem de haver outro jeito...”Pensou: “Se as formigas comeram as roseiras, comeram porque estavam com fome. Não foi por maldade. Se eu der comida às formigas elas deixarão de ter fome e não comerão as rosas”.Dito isso plantou, à volta do jardim de rosas, um anel de cenouras tenras e doces que seriam o deleite alimentar das formigas. Mas as formigas ignoraram as cenouras. Continuaram a comer as roseiras.“Talvez elas não tenham entendido”, ele pensou. “Não perceberam nem que as cenouras são deliciosas e nem que são para elas. Ainda não foram educadas. Se forem educadas para gostos mais refinados não comerão as rosas. Serei um educador de formigas.”E como sabia que a noite é o tempo preferido pelas formigas para cortar roseiras, Brasilino passou a dar aulas às formigas durante a noite, peripateticamente, no seu jardim. Queria que as formigas aprendessem a gostar gastronomicamente de cenouras e plasticamente de rosas.O vizinho ficou incomodado com aquele falatório noturno. Foi ver do que se tratava. E se espantou. “Brasilino, você endoidou? Pregando às formigas?” Brasilino respondeu: “São Francisco pregou aos pássaros e aos peixes. E eles entenderam. Pois eu vou pregar às formigas e elas haverão de entender.” Mas as formigas não ligavam para a aula do Brasilino. Não aprenderam a lição nova. Formiga continua a ser formiga. Continuaram a cortar as roseiras.Diante do fracasso da pedagogia, Brasilino se lembrou de um recurso inventado pelos humanos chamado “condomínio”. O que é um condomínio? São casas cercadas de muros de todos os lados, com o objetivo de impedir a entrada dos criminosos, que ficam do lado de fora. “Farei o mesmo com as minhas roseiras”, ele disse triunfante. Ato contínuo tomou garrafas de coca litro, cortou bicos e fundos, fez um corte vertical ao lado e usou esses cilindros ocos como cintas protetoras para os caules das roseiras. “Agora minhas roseiras estão protegidas! As formigas não entrarão!” Pobre Brasilino! Ele não conhecia a esperteza das formigas. Elas sabem fazer túneis, escalar muralhas, passar por frestas, fazer pontes. E quando ele foi ao jardim, pela manhã, viu que as formigas haviam devorado de novo suas roseiras.Lembrou-se então Brasilino de uma velha estória que relata o feito de um flautista que livrou uma cidade de uma praga de ratos que a infestava. O que foi que o flautista fez? Simplesmente tocou sua flauta! “Ah! A música tem poderes mágicos! Claro, as formigas não entendem a linguagem pedagógica dos argumentos. Haverão de ser sensíveis à magia da música.” Comprou uma flauta e pôs-se a tocar o Bolero de Ravel. As formigas reagiram imediatamente. Sentiram o poder da música. Até os bichos têm música na alma. Começaram a mastigar folhas e rosas ao ritmo da música encantadora.Com o fracasso da música, veio-lhe, então, uma nova idéia: “Se as formigas não podem ser nem conscientizadas pela palavra e nem sensibilizadas pela música, as rosas podem ser. Assim, vou despertar nas minhas rosas o sentimento da não-violência, da beleza da paz. O pensamento tem poder. Se todas as rosas fizerem juntas uma corrente de pensamentos de paz a energia positiva no ar será tão forte que as formigas se converterão...”Espalhou, pelo jardim, imagens coloridas de paz. Flores sorridentes. Pôs CDs com música sobre rosas, Strauss, Vandré e Caymi. Tudo, no espaço do jardim, sugeria paz e não violência. Quem visitasse o seu jardim sentia a energia positiva no ar. Mas parece que as formigas não eram sensíveis à energia positiva de paz. Continuaram a cortar as rosas.Aí ele começou a ter raiva das rosas. “Não compreendo a passividade das rosas! Elas não se defendem! Tinham de se defender! Pois Deus não dotou as criaturas com o direito de defender a sua vida?”Cobriu então os galhos das roseiras com espinhos pontudos e afiados, facas e espadas que as rosas deveriam usar para se defender das formigas. Mas as rosas não sabiam se defender. Não sabiam usar armas. Eram mansas e desajeitadas por natureza. As formigas continuaram a subir pelos seus galhos sem ligar para os espinhos.No desespero, Brasilino resolveu tomar uma atitude mais radical, que mesmo contrariava seu sentimento de reverência pela vida: foi para o jardim munido de um martelo e pôs-se a martelar as formigas que se aproximavam das suas roseiras. Mas o número das formigas era imenso. Não paravam de chegar. Matou muitas formigas a marteladas, o que não as perturbou. E havia também o fato de que Brasilino não podia ficar martelando formigas o tempo todo. Precisava dormir. Dormindo, o martelo descansava. E as formigas trabalhavam.“Já sei!”, ele disse. “Apelarei para o Papa. O Papa tem reza forte. Pedirei que ele ore para que as formigas parem de comer minhas rosas”. Escreveu então uma carta para o Papa, expondo o seu sofrimento, e pedindo que ele intercedesse junto aos santos, junto à virgem, junto a Deus... Afinal de contas, as hostes celestiais deviam ter um interesse especial na preservação do jardim, aperitivo do Paraíso.As autoridades eclesiásticas, de posse da carta de Brasilino, deram a ela a maior consideração, e a colocaram na lista da orações pela paz que o Papa rezava diariamente: paz entre judeus e palestinos, paz entre russos e chechênios, paz entre protestantes e católicos, paz na Espanha, paz na Colômbia, paz no Peru, paz na África... Era uma lista enorme. O Papa orou mas nada mudou. Os homens continuaram a se matar e as formigas continuaram a cortar suas roseiras.De repente ele ouviu uma voz que o chamava. Era a voz do seu vizinho, que contemplava tudo em silêncio. “Eu tenho uma solução para o seu problema com as formigas, sem que você tenha de matar as formigas.”Brasilino se espantou: “Como?”O vizinho explicou: “Você acha que as formigas são criaturas de Deus. Sendo criaturas de Deus têm direito a viver. Você está em boa companhia espiritual. Homens como São Francisco, Gandhi e Schweitzer também sentiam reverência pela vida.” Brasilino ficou feliz ao se ver colocado ao lado desses santos.Seu vizinho continuou: “Mas isso que você diz para as formigas deve valer para todas as criaturas. Certo?” “Certo”, concordou Brasilino.“Então, por que você não traz um tamanduá para morar no seu jardim? Tamanduás também são criaturas de Deus. E adoram comer formigas! Para isso têm uma língua fina e comprida, que entra até o fundo dos formigueiros! Para o tamanduá, comer formiga não é pecado; é virtude!”E foi assim que o Brasilino, sem desrespeitar suas convicções espirituais, trouxe um tamanduá para viver no seu jardim.E o tamanduá engordou, as formigas sumiram, o jardim floresceu e o Brasilino sorriu...

Moral da estória: Quem quiser se livrar das formigas e manter uma consciência tranquila, que compre um tamanduá...

*Rubem Alves, http://www.releituras.com
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sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Sessão Nostalgia


No post anterior, eu sugeria que falássemos de amor. Agora eu sugiro que cantemos o amor! Quem é frequentador mais antigo sabe um pouco das minhas preferêcias musicais. Por isso não se espante. Se tiver curiosidade, vasculhe nesta mesma gavetinha que você vai encontrar outros "clássicos açucarados". E não pense que termina por aqui...


1. Baby I love your way - Will to Power


Esta é uma canção composta e interpretada pelo mestre Peter Frampton. Mas ela ficou famosa mesmo foi na versão cover desta banda chamada Will to Power. Ficou com aquela levada que é bem cara dos anos 80. Adooooooro!

Na música ele diz que ama o jeito da garota, todos os dias. E ele diz a ela que não hesite, pois o seu amor não vai esperar. Ou seja, não perca tempo! Viva o amor!




2. Every time you go away - Paul Young

Este é um daqueles velhos casos onde a música confunde-se com o cantor e vice-versa. Foi o grade hit deste cantor britânico. E é uma das minhas favoritas e não poderia ficar de fora.

Ele começa questionando que se eles podem resolver qualquer problema, porque então eles desperdiçam tantas lágrimas? Ele não entende porque ela não percebe. E então ele diz à sua amada que toda vez que ela vai embora, leva um pedaço dele com ela.




3. Eternal Flame - Bangles

Uma coisa me chama muita atenção nesta banda (ou grupo, como se chamava nos anos 80, rs!): ela é composta apenas por meninas. A música referida é uma daquelas baladinhas românticas clássicas que todo mundo conhece, mas não faz a mínima ideia de quem cante.

Ela diz a seu amado que ele pertence a ela. E pergunta se ele sente o mesmo? Ela questiona se por acaso não é tudo um sonho, ou se isto que está queimando é uma chama eterna. Ela reclama por ter tido uma vida toda tão sozinha e diz a ele que a sua chegada é um alivio para a sua dor e que, portanto, ela não quero perder este sentimento.




4. Glory Of love - Peter Cetera

Ahhhhhhhhhh, essa é especial! E não tem quem diga que não conhece. Escutá-la nos traz logo à mente um clássico da juventude oitentista: Karatê Kid ( e seu Mestre Miyagi juntamente com seu pupilo Daniel San). Nostalgia pura...

Nesta belíssima canção ele declara à sua amada que ele a ama e que nunca a deixaria sozinha. Por isso, ele é o homem que lutará pela sua honra, que será o herói com que ela sonha. E que eles viveram juntos, sabendo que fizeram tudo para a glória do amor.




5. I wanna know wat love is - Foreiger

Esse hit é daqueles que é doce na boca dos cantores. O que ela já ganhou de versões não está escrito em lugar nenhum. Já a escutei em versão forró, brega, sertanejo...caramba! Mas agora, felizmente, ganhou uma belissima versão interpretada pela afinadíssima Mariah Carey.

Ele diz precisar de um tempinho para pensar melhor nas coisas. Ele lamenta que a sua vida foi sempre de mágoa e dor e que não sabe se conseguirá encarar isso novamente. Portanto ele implora que ela lhe mostre o que é o amor porque ele quer saber o que é o amor, quer senti-lo. E acredita que ela pode lhe mostrar.




6. Lost in your eyes - Debbie Gibson

Essa baladinha me remete à minha adolescencia. Não, ela não é da minha época. Mas é que ela me remete àquela sensação gostosa do primeiro amor sabe? Quando a gente flutua sem sair do chão. E sofre, sofre, sofre...mas é um sofrimento gostoso de lembrar!

Ela diz se perder nos olhos de seu amado. Ela diz sentir seu espírito se elevar e é como se ela subisse como o vento. Então ela questiona: será amor o que ela está sentindo? Mas ela diz não se importar com o seu destino e que ele pode levá-la ao céu. Pois quando ela se perde nos olhos dele é como se ela estivesse no paraíso.




7. Never gonna let you go - Sergio Mendes

Salve, salve! Um brasileiro na parada. Pois é, me chamou atenção também. Um mela-cuecão internacional cantado por um...brasileiro. Vivendo e aprendendo!

Ele compreende que estava errado quando permitiu que sua amada partisse. Mas agora, ele consegue enxergar melhor as coisas. E ele vai fazer de tudo para corrigir o seu erro. E ele pede que ela diga que o perdoa. Ele diz a ela que a amou muito, mas agora ele pretende amá-la mais ainda e que nunca mais irá deixá-la partir.




8. Out here on my own - Nikka Costa

Este é um daqueles hits nunca esquecidos. Ao contrário de sua intérprete, a pequena e encantadora Nikka Costa (afilhada de Frank Sinatra). Nem esse apadrinhamento impediu que que seu nome caísse no ostracismo. Mas apesar de tudo, continua na ativa. Mas sucesso que é bom... só mesmo Out here on my own...

Ela diz que quando se sente desanimada e triste, ela fecha os olhos e consegue estar com quem ela ama. E pede a ele que seja forte por ela. Ela suplica que ele a ajude. Porque ela precisa muito dele.



9. Right here waiting - Richard Marx

Eu sempre o confundo com outro grande fabricante de hits açucarados, Bryan Adams. Não sei porquê...rs!

Ele diz à sua amada que aonde quer que ela vá ou o que ela faça, ele estará ali, esperando por ela. Não importa o que for necessário ou como o coração dele fique partido, ele estará ali, esperando por ela.




10. True - Spandeu Ballet

Eu gosto muito dessa banda inglesa, apesar dela ser muito breguinha. Tem um hit deles que adoro que é Only when you leave. Mas True é clássico mela-cueca que, apesar de não falar propriamente de uma história de amor, não podia ficar de fora. It's true!

Ele diz ter comprado uma passagem para o mundo, mas ele voltou porque ele tem dificuldade em escrever o próximo verso. O que quer dizer? Oras, tire suas próprias conclusões.





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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Música do dia*


Eu tenho que achar um tempinho
Um tempinho para pensar melhor nas coisas
É melhor eu ler nas entrelinhas
Caso eu precise quando envelhecer


Na minha vida,
Só tem havido sofrimento e dor

Eu não sei
Se consigo encarar isso de novo
Não posso parar agora,
Já fui longe demais
Para mudar esta minha vida solitária


Quero saber o que é o amor

Quero que você me mostre

Quero sentir o que é o amor
Sei que você pode me mostrar

Vou levar um tempinho
Um pouco de tempo para olhar em minha volta
Não tenho mais onde me esconder

Parece que o amor finalmente me encontrou


Vamos falar de amor!


*I wanna know what love is, Foreigner. Agora na belissima interpretação de Mariah Carey.



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O mal do mundo


Chega um momento na vida que a gente cansa de reclamar. Como bem disse a e-amiga Carolina, reclamar "do namorado que foi embora, do chefe que foi duro demais, da amiga que some e não liga, ou outras coisa do gênero". As vezes esse momento chega bem cedo. Para outros demora bastante. E para outros nunca chega. Infelizmente estes últimos compõem a vasta maioria. São aqueles que na infância foram crianças tolas, tornaram-se adultos arrogantes e agora são velhos ranzinzas. Ou seja, passaram a vida toda reclamando. Daí reclamarem que estão sempre sozinhas. Ora bolas! Quer que o mundo mude, mude primeiro. Reveja seus conceitos. Tente ser mais tolerante. O mal na verdade não está em reclamar. Está em implicar.
Por isso, eu estou cansada de implicar. Se eu não posso ser livre materialmente, pelo menos o meu espírito deve ser. Livre e desapegado. É um baita esforço! Mas acho que vale a pena...
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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Pequena história de um caderno.



Durante o dia, um turbilhão de ideias (algumas insanas outras nem tanto) passeiam pela minha caixinha mágica. O problema é que eu sempre quis deixá-las livres. Mas elas são muito traquinas e vivem fugindo. Algumas acabam até voltando. Outras never more. Diante dessa situação tomei uma decisão. Resolvi aprisioná-las. Jogá-las no calabouço da memória. Confesso que está sendo um grande esforço. Não é de minha índole aprisionar. Mas chega uma hora que precisamos mudar. E estou me saindo bem. Estou criando o hábito de anotar. Anotar tudo (tudo não, apenas o que acho relevante!). Anoto meus compromissos, minhas miudezas cotidianas, meus devaneios e tudo o mais que me der na telha. Mas esse já é um treino que faço desde o ano passado. Mas este ano minhas anotações têm um temperinho especial. Toque de mestre. Minhas anotações diárias são feitas em um Moleskine. Moleskine?? Que diabos é isso? Se come com farinha?
Bom, tem gosto para tudo né? Eu sugiro que você deguste acompanhado de um cremoso petit gateau ou um delicioso brownie. Moleskine é um carnet légendaire utilizado por muitos intelectuias de vanguarda a exemplo de Van Gogh, Picasso, Hemingway, Chatwin. Deu para perceber que o bichinho não é pouca porcaria não é mesmo? Sua origem é francesa, mas no final do século passado tornou-se um artigo em extinção. Conta-se que o escritor Chatwin antes de fazer sua viagem para a Austrália comprou todos os Moleskines que encontrou pela frente. Fraco o sujeito não?
Somente em 1998 os Moleskines voltaram à cena. Agora não mais em Paris e sim Milão. Por isso pensamos ser um legitimo taccuino italiano. Viu porque o caderninho tem tanto glamour? Não se trata de um simples caderninho de anotações. É um caderno de anotações com valor histórico agregado. É um caderno de tradição para você anotar suas experiências com originalidade. Moleskine est un accumulateur d'idées et d'émotions qui libère son énergie avec le temps. Chic né?

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Pequeno orgulho


Duas bailarinas no palco (1874), Edgar Degas.

Minha petit jolie trocou de escola. E hoje foi seu primeiro dia de aula. Estava eufórica, não conseguia controlar sua ansiedade. Ansiedade para conhecer a nova escola, os novos companheiros, as novas atividades. Foi engraçado. Engraçado não é a palavra correta. Na verdade eu nem tenho uma palavra certa para exprimir o que senti. Na verdade não era bem o início. Hoje era o dia do teste que faria para verificação do seu nivelamento. Imaginem...minha boneca já tem até um currículo. E neste já conta uma apresentação no teatro. Mas a professora argumentou que as escolas possuíam métodos diferentes. E era até possivel que a minha pequenina retornasse para o primeiro nível. E ver a minha pequenina se esforçando para se sair bem em um teste foi de apertar o coração. Não aquele aperto de tristeza. Mas é um sentimento puro de mãe. Uma alegria misturada com orgulho de ver aquele pequeno ser que saiu de dentro de você agora desbravando o mundo, enfrentando as situações da vida: sozinha. Eu a via de longe. E a cada gesto, a cada passo mal dado eu me perdia entre sorrisos e lágrimas tolas. Porque só os filhos tem essa capacidade de nos deixar bobos. E o pior, temos orgulho de nos sentirmos bobos.
É. Aquela velha propaganda televisiva tem razão: certas coisas na vida... não têm preço!
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sábado, 16 de janeiro de 2010

Conselhos de Madame (II)


Sabe uma coisa que não me agrada? Bancar a conselheira sentimental. Tenho que admitir: sou péééssima conselheira.Porque ninguém quer escutar a minha opinião "verdadeira". Elas querem que eu diga o que elas querem ouvir, ou seja, aquelas velhas tolices piegas do tipo "vá em frente, não desista do seu amor", "Conquiste, custe o que custar", blábláblá...Eu não tenho estômago pra isso, me desculpe! Não gosto de joguinhos estúpidos de sedução. Porque pra mim a coisa tem que funcionar da seguinte maneira: tem que rolar aquele lance da empatia, sabe? Eu gostei te ti, tu gostate de mim. O resto é tolerâcia. Eu tolero teus resmungos, tu toleras minhas chatices. Porém, há sempre quem prefira viver às turras com o companheiro. Não é o meu caso. Se esse for o seu, fazer o quê né?

Tá bom. Por que que eu tô falando disso né? É que outro dia uma amiga veio compartilhar comigo mais uma de suas frustrações amorosas. Narrava ela que havia conhecido um dito cujo há cerca de um mês (pois é, um mês!). Segundo a própria, não era nada muito sério, a princípio. Contou-me que ele havia rompido um relacionamneto de 5 anos (nem me lebro mais ao certo...) chegando ela inclusive, a aconselhá-lo a conversar de novo com a moça e tentar uma possível reconciliação. Segundo ela, o dito recusou. E continuaram então levando a história que, se eu soubesse disso antes já sabia aonde daria. Fato é que passado um tempinho (lembra? Mais ou menos um mês) o dito voltou com a dita, não precisando mais do ombro , dos conselhos e otras cositas más da dita amiga.

Tá tudo bem, cadê a novidade né? Nenhuma porra! Eu também achei uma história extremamente banal. Mas a amiga estava como ela mesma se definiu, "se sentindo o último biscoito do pacote". Sabe aquele que quando não queremos mais jogamos fora? Pois é. Mas tudo não passara de orgulho ferido. A própria dizia não "gostar tanto assim" do fulano. Mas o seu ego pedia, implorava para que aquele dito cujo esquecesse a outra e se apaixonasse por ela.
O que eu quero dizer? Quero dizer que o ser humano é que nem cachorro. Nunca quer largar o osso. No caso descrito, nenhum dos dois queria se desfazer do seu ossinho. Ele não a largaria enquanto ela lhe fosse necessária. Ela massageava seu ego acreditando que poderia conquistá-lo.

Desculpe querida! A minha intenção não é tripudiar em cima da sua ferida que eu sei como deve estar doendo. Mas a minha avó sempre dizia que remédio bom é remédio que arde. Logo, logo sara. E você estará pronta para outra e mais outra e mais outra. Até aprender a não se machucar mais. A vida é curta demais para se perder com lamentações. Não deu, não deu. Vira aprendizado. Caiu? Levanta, põe band-aid e segue em frente.
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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Entre Ladies e Madames


Geeeenteeeem, essa minha avidez por novidades (as vezes não tão novas assim!) está rendendo bons frutos. Achei um tesouro. Eu o descobri através do blog da Chata. Trata-se de uma cantora belga que atende pelo nome de Lady Linn (a identificação com o nome foi imediata). Quando escutei, me apaixonei. Amor à primeira vista, ou melhor, escutada. Ela tem uma batida gostosa que nos faz viajar aos idos anos 50/60. Junto com uma banda denominada Her Magnificient Seven ela faz um som combinando soul a uma levada bem jazzistica. O resultado é essa gostosura ai. Reparem só no jeitão da moça, um charme!




As faixas de seu mais recente álbum são recheadas de belas canções. Uma melhor que a outra. Há um destaque para uma deliciosa versão feita com um clássico dos "anos 80", I Don´t Wanna Dance. Reparem só!





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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Homenagem do dia: Penélope Cruz



Porque ela é muito mais do que linda. Ela tem charme, tem talento, aquela coisa de 'sou uma diva', sabe? E ainda de quebra namora o nada menos charmoso, Javier Bardem. Ai que inveeeeeeja!
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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A arte de ser feliz*


Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crianças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como reflectidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Às
vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles



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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Versos de Orgulho* (ou seria da modéstia??)



O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.

Porque o meu Reino fica para além …
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus !
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém !

O mundo ? O que é o mundo, ó meu Amor ?
O jardim dos meus versos todo em flor…
A seara dos teus beijos, pão bendito…

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços…
São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.

* Florbela Espanca, Charneca em Flor, Poemas.

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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Felicidade Clandestina*


Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser. ”Entendem? Valia mais do que me dar o livro: pelo tempo que eu quisesse ” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

*Clarice Lispector, Felicidade clandestina, Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
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